Vida em retrospectiva: Despertar

Estou acostumado a falar de temas de forma impessoal, mesmo que relacionados a minha vida, então é bem difícil falar de um assunto quando ele é diretamente ligado a minha vida.
Não vou relatar algo para que no fim possa ser tirado uma lição, moral ou algum tipo de conclusão estilo guru que soe como se todos pudessem valer-se de minhas experiências. Meu intuito aqui é discorrer sobre uma parte específica da minha vida e onde estou nesse momento, se é que existe algum lugar para chegar uma vez que minha forma de enxergar como vivemos não é necessariamente ortodoxa.
Eu trabalho já faz 8 anos e na minha profissão não existe parar de estudar, você pode não estar em uma escola mas com certeza vai continuar estudando um caminhão de conteúdo só para se manter atualizado, sem contar quando quiser estar adiante em algum assunto. O estresse ininterrupto já começa por esse ponto, não é possível consumir todo o conhecimento que há disponível e tudo que você consumir será atualizado antes mesmo de você terminar de se adaptar ao que foi absorvido.
Talvez você esteja curioso sobre minha área, sou Cientista da Computação e atuo como desenvolvedor de software. Isso pode não dizer muito mas sabe os programas do seu computador, celular ou seus jogos? Então pessoas como eu que criam eles. Parece legal não é? Bom, mas vamos continuar com a exploração dos problemas.
Minha área definitivamente não é conhecida por ter os planos de carreira mais elaborados e bem definidos e com certeza as delimitações entre as diversas nomenclaturas para cada cargo é por si só um tanto quanto nebulosa. Isso só contribui para um dos maiores problemas pelo qual passo a sensação de estar completamente perdido. É muito comum conversar com colegas da área e verificar que muitos não tem a mais vaga idéia de porque estão fazendo uma série de trabalhos e como querem trilhar seus caminhos, tentamos nos ajudar mutuamente mas é como se todos estivessem dentro de uma caverna sem mapa tentando sair juntos. As vezes é pior que isso pois cada um tem um mapa apontando em alguma direção e ninguém consegue ler os mapas além do seu próprio.
Para ajudar a agravar o caso existe um outro ponto nebuloso que pode ser positivo e negativo dependendo da situação e/ou pessoa. Além dos cargos não serem padronizados os salários também não são, tudo é determinado mais ou menos pelo vento que o mercado sopra.
A parte positiva são as empresas que utilizam isso à favor dos funcionários e de forma construtiva para criar novos modelos e culturas de trabalho, diga olá para a Zappos, Geekie e Valve.
Agora a parte negativa é um buraco negro de exploração e abusos tanto de poder como de salário somados à culturas rígidas e nada interessantes que só aprofundam a perda do senso de evolução. Prefiro, nesse caso, não citar nomes por enquanto, talvez num outro post.
Então imagine trabalhar durante 8 anos pingando entre lugares bons, oks e ruins sem ter a menor noção de direção e uma nebulosa sensação de evolução. Pois é, minha carreira até o momento não foi totalmente cercada de pontos negativos, mas mesmo quando estive em bons lugares minha sensação de estar perdido não passou. O norte parecia não existir e objetivos da profissão ficaram perdidos no meio dos objetivos de vida, e nenhum dos dois caminhou muito bem.
Em um ponto muito crítico onde as frustrações já atingiam um limite excruciante, dois anos atrás, eu me deparei com a famigerada depressão e por uma sorte ou pelo meu histórico de realizar auto-observações decidi começar uma terapia com uma psicóloga. Foi uma das melhores decisões que já tomei, mas infelizmente nem todos tem essa oportunidade.
A depressão é infelizmente comum entre os profissionais da área de tecnologia, programadores, designers, QA’s e até as recepcionistas.
Foi a partir desse ponto que as coisas começaram a melhorar, minha síndrome do impostor foi ficando cada vez mais sobre controle, minhas conquistas ficaram mais aparentes e brilhantes para mim (mesmo as conquistas “pequenas”), meu passado não parecia mais uma grande bola de merda, voltei a socializar com os amigos, familiares e desconhecidos aos poucos e minha visão da vida foi tomando uma forma mais parecida com a que tenho agora.
Ainda assim precisei tomar mais algumas porradas para realizar mudanças forçadas em minha pessoa, o ponto máximo das minhas mudanças ocorreu em julho de 2016.
Após dois anos de terapia e trabalhando para uma empresa que era amor e ódio, mais amor que ódio, eu fui demitido, e se isso tivesse ocorrido antes da terapia eu provavelmente teria ficado ainda pior, talvez faria alguma burrada das grandes. No entanto me deparei como uma oportunidade, após deixar todos os sentimentos acontecerem e simplesmente irem embora, esfriei a cabeça e tomei uma série de decisões sobre como as coisas iam acontecer dali em diante.
- Voltar a trabalhar como PJ, mas dessa vez eu ia me comportar 100% como empresa.
- Ser 100% remoto.
- Imprimir meus cartões de visitas.
- Me preparar para dar uma de nômade por uns meses durante os próximos dois anos.
Essas quatro decisões tornaram a sensação de controle, liberdade e responsabilidade muito mais reais e próximas sendo que a partir desse ponto eu comecei a seguir algo que acredito que sejam os meus porques. Foi nesse momento que a minha visão de interpretar a vida como um longo caminho no qual devemos aproveitar a paisagem da melhor forma possível se tornou mais do que palavras, ela finalmente se incorporou de vez nas minhas decisões.
Simon Sinek fala sobre o “o que, como e porque” no Golden Circle em seu livro Start with Why, para uma compreensão mais rápida veja sua palestra no TED
Eu sempre tive, e ainda tenho dificuldades com falhas e tomadas de decisão, penso umas quinhentas vezes antes de fazer algo, sofro por antecipação e tenho crises de arrependimento continuas, isso só pra citar a superfície dos meus sentimentos. No entanto ao tomar uma série de porradas durante 8 anos eu acabei despertando, sim eu sei demorou pra caramba mas pelo menos chegou, e isso se deu pela incorporação de um modo de encarar a vida e essa sensação de seguir seus objetivos e sonhos no âmago de forma que se não estiver condizente eu não aceito fazer.
Você pode estar pensando, ok mas isso fica parecendo aquelas histórias de livro de auto-ajuda e essa seria a parte onde o autor mandaria um “e aqui estão os ‘ponha um número qualquer’ passos para ‘atingir/superar/use um adjetivo qualquer’”. Pois é, só que não, eu não tenho uma lição dizendo olha se você fizer isso ou aquilo você pode superar seus problemas e conseguir fazer só o que bem entender.
Só por favor preste atenção, eu tenho muito mais responsabilidades agora, e eu não disse possuir maior libertinagem e sim liberdade, são duas coisas bem diferentes. E também não disse que está sendo nada fácil, eu tenho clientes, eu cuido de toda parte financeira da minha vida e da minha empresa, eu preciso cuidar de qualquer ponto em termos de negócios relacionados à minha empresa, então definitivamente não é um caminho para os que preferem ter alguém controlando essas coisas.
E vejam, não estou criticando os outros estilos de vida em prol do que decidi ter, apenas quero relatar como me sinto agora, quem sabe essa minha zona não ajuda alguém também, isso é o que espero.
Hoje eu continuo indo na psicóloga, ainda tenho uma série de problemas pra tratar, ainda estou me recuperando do segundo ombro deslocado, não tenho nenhuma segurança sobre o que estou fazendo e nem comecei a fazer as viagens que estive planejando por anos.
Em contrapartida sou uma pessoa muito mais feliz, que tem seus momentos de “Ah ha ha ha ha mas eu to rindo a toa” (você leu isso pensando na música rs), já estou com os planos de nomadismo a caminho, trabalho só com quem eu quero, tenho maior controle financeiro sobre mim mesmo e como disse tenho a responsabilidade e liberdade sobre mim numa medida muito mais agradável do que antes. Estou finalmente num caminho em que aproveitar a vida parece realmente como deveria ser para todos nós.
Obs: Gostaria de agradecer minha grande amiga Glaucia Souza, que no seu Diário de uma medrosa me deixou inspirado para fazer o primeiro texto que falasse de mim mesmo, Obrigado Glau. Dá uma lida no texto dela aqui.
A vida é como uma caminhada muito longa no qual não podemos voltar atrás, só nós resta fazer com que cada parte da paisagem seja a mais incrível possível. Vitor Navarro.
Foto da capa Ravi Roshan - Unsplash