O tempo que escorre me é conhecido, transpassa-me como tempestade, sem pedir licença ou sequer desculpar-se por tamanha audácia.
Leva o presente, segundo a segundo, sem onomatopeias, agora totalmente digital, arrasta-se constantemente ao passado, sem possibilidade de escolha para reparação, o que foi está, não poderá ser pois grava-se automaticamente.
Mesmo a matéria mais resistente, o componente mais durável, e até o plástico, não pode com o tempo, mesmo que levem milhares de anos, mesmo que no fim tudo tenha de ser levado pela explosão solar para tornar-se um novo estado de matéria, ainda assim não terá resistido a deixar de ser e passar ao que foi.
Tempo nos recorda de sua intensa passagem nos detalhes, finos ou grosseiros, grandes ou pequenos, um querido que já não está, uma maçã que mofou, uma criança crescendo, uma rachadura irrompida num prédio recente, a foto esmaecida.
Relógios animados e inanimados, compactuados a contra-gosto com o tempo, levados a alarmar o passar irrefreável dele, memorável sim, imperdoável também, e no entanto é só através de sua passagem que tudo acontece.
Não reconhecer seu caminhar não trará a trégua, mas, talvez, com alguma sorte, conduza o ser de forma mais suave pelas árduas perambulações efêmeras da vida.
Em contraponto, a ciência da existência do tempo carrega consigo o peso de sua passagem, e o sentir de sua consequência. Sua atribuição não parece positiva ou negativa, é o que é, ali está posto, ainda que abstrato é sólido, se faz presente em sua força. Dar-lhe significado é matéria do consciente, firmado talvez no desejo de controle no âmago da espécie.
Como enfrentar tamanha autoridade? A mudança no apreciar de seus dissabores colocando-os em novos teores nos é apresentada em caráter de possibilidade, diferente do autor do crime, não é uma certeza, uma definição, é maleável dentro dos limites da inevitabilidade do finito, aparenta trazer conforto ou ao menos perspectivas diferentes.
Aprendo a navegar no escorrer de suas águas tempestuosas momento a momento, sendo lembrado constantemente que confrontar/acatar/abster, infelizmente, não afeta/afetou/afetará sua jornada, pois como bem afirmado insistentemente o tempo é inexorável.
O tempo é como farinha numa peneira não se pode impedir que escorra rápido até sobrar apenas o que não pode passar em seus orifícios. Água de Barrela - Eliane Alves Cruz